Mais um enorme privilégio para o Ecletismo Musical! Desta vez, um dos nomes maiores da música feita em Português (e que esta casa acompanha de perto desde 1998), teve a gentileza de dar uma entrevista ao EM. Fiquem a conhecer melhor: Cristina Branco!
EM: Concorda que, estes mais de 20 anos de carreira foram como que uma passagem de menina “presa” ao Universo de Amália e aos cânones (sombrios e pesados) do Fado clássico, para uma mulher destemida, livre e sobretudo cantora e cidadã do mundo?
Cristina Branco: Não acho mesmo que o fado tenha ensombrado a minha vida, o fado nunca foi o todo, na verdade foi como que um ponto de partida na voz e na obsessão com Amália mas quando comecei a cantar nunca foi apenas fado. Foi Zeca, foi a obra poética de grandes autores da língua portuguesa e muita música original e foi Amália. O fado foi um veículo que era estranho ao meu ser e ao meu canto mais profundo e no qual eu hoje me reconheço muito mais do que antes. Ensinou-me a respeitar a métrica dos textos, a encontrar o silêncio da música e a sentir, das entranhas. O resto foi a minha constante curiosidade e os milhares de km de mundo, de experiências, que me trouxeram essa sensação de nomadismo, de não pertença. Tenho uma identidade, mas gosto profundamente de me adaptar. Os anos e a vida trouxeram-me isso!
EM: Em 2005, o EM escrevia, a propósito do lançamento de «Ulisses»:“Cristina Branco assume definitivamente que não é uma fadista, é, e sempre foi, isso sim, uma grande artista.” Partilha da visão de que, depois de «Sensus» ainda ser sobretudo um disco de Fado, foi a partir de «Ulisses», o momento que se “libertou das amarras” ainda que o Fado esteja eternamente presente em si e em tudo o que faz?
Cristina Branco: Sim, é um pouco verdade, mas tem mais que ver com a versatilidade da chegada daquele novo instrumento à minha música, o piano, que revestiu o todo de outros sons e novas possibilidades. O piano obrigou todos os outros instrumentos a ouvir e encontrar espaço na minha música e também no meu fado. Tudo mudou porque foi preciso escrever cada nota e trabalhar em equipa, com subtileza com arranjos construídos especificamente para cada um em que cada um passa a respeitar o espaço do outro, se não seria uma confusão. Isso permitiu construir uma nova visão do fado, pelo menos do meu fado.
EM: A guitarra portuguesa do enorme Bernardo Couto teve o poder de permitir fazer, do Fado, “a Cristina”?
Cristina Branco: O Bernardo foi e é sem dúvida alguma um grande guitarrista e o meu enorme guitarrista porque o seu ecletismo, a liberdade da sua abordagem me permitem ter um som sui generis e original. O Bernardo leva o instrumento para outra dimensão.
EM: «Abril» (álbum de 2007 – homenagem a José Afonso) terá sido decisivo para passar a ser um nome com maior visibilidade em Portugal? Essa ausência de reconhecimento em Portugal era algo que a incomodava?
Cristina Branco: Não creio que tenha sido o Abril, mais o Não há só tango em Paris, eu acho…seja como for, nunca me senti ou sinto incomodada com a escolha do público, muito honestamente. Sempre fiz o teu trabalho e fui fiel, profundamente fiel às minhas opções e sei que isso pode ter um preço e a popularidade também nunca foi o meu fito. Gosto que gostem de mim e da minha música claro, mas para isso eu preciso de gostar também e ser verdadeira comigo.
EM: De “Bomba Relógio” a “Armadilha” passando por exemplo por “Alice no país dos matraquilhos”, Sérgio Godinho é decididamente o seu autor fetiche?
Cristina Branco: Oh!…talvez seja sim, é pelo menos o autor que mais cantei, seja porque me identifico com as palavras, com a interpretação, com as histórias reais.
EM: Na primeira fase da sua carreira, diríamos até 2005, procurou cantar poemas dos “grandes”. Podemos dizer que, até na escolha dos autores, se nota ao longo dos anos que a Cristina passou a ser mais dona de si e das suas vontades, podendo, sem complexos ou medo de correr o risco, cantar composições de jovens talentosos como Jorge Cruz, Filipe Sambado, Nuno Prata, Luís Severo ou Beatriz Pessoa (em «Branco», de 2018), o que já tinha vindo a acontecer desde «Não há só tangos em Paris»?
Cristina Branco: Sempre gostei de cantar os grandes poetas, porque sempre identifiquei com bons textos, sempre fui meticulosa a juntar música e letras, acontece que em determinado momento da minha vida achei que seria também importante cantar o talento de outros autores e criar para mim a enorme liberdade de poder discutir com autores vivos a direção da minha música, a história contada em cada disco meu.
EM: A propósito, qual considera ser o «estado d’arte» da música feita em Portugal?
Cristina Branco: Este assunto tem muito que se lhe diga! Bom, acho que há bons autores de letras, bons compositores mas também há e felizmente, muito mais gente a identificar-se com a música portuguesa, a deixar cair aquele estigma de que a música estrangeira é melhor. Há em suma, melhor público, melhores canais para os autores jovens puderem mostrar a sua arte, mas também há más escolhas a passar no largo crivo da boa música. Nem tudo são rosas!
EM: Que nomes colocava no seu “Festival Ideal”? (Vivos ou não)
Cristina Branco: Marisa Monte, Jacques Brel, Gregory Porter, Nick Cave, Sting, Chico Buarque…e este festival durava um ano inteiro se continuasse a enumerar nomes!
EM: Se tivesse que identificar os 5 melhores álbuns de sempre, qual era a sua escolha? E porquê?
Cristina Branco:
Pink Floyd – The Wall
Chico Buarque – Ópera do Malandro
Fausto – Atrás dos Tempos Vêm Tempos
Sérgio Godinho – Era Uma Vez Um Rapaz
Beach Boys – Pet Sounds
EM: Quais são os seus planos para os próximos meses? Por onde irá andar?
Cristina Branco: Vou andar por aí! Já este sábado, dia 21 [de Julho] estarei em Matosinhos, no Matosinhos em Jazz, num concerto de entrada livre no Coreto em frente à Câmara Municipal. Depois irei até à Alemanha, Áustria, no final de Agosto passamos pelo Festival F, em Faro e por aí fora… estou também a escrever um pequeno livro de receitas de comidinha para os dias passados “na estrada”!
Muito obrigado Cristina!
Agradecimento especial: Arruada
Fotos Cristina Branco: Joana Linda