Sim, o Sziget é mesmo uma experiência para a vida.
O Ecletismo Musical esteve entre 6 e 11 de agosto a acompanhar o Festival Sziget, em Budapeste, como International Press e partilha aqui um resumo do que vivenciou.
Há eventos que vão muito além de um simples cartaz. O Sziget é um desses raros espaços onde a música serve apenas de ponto de partida. Cada passo na ilha é uma nova porta para experiências artísticas, encontros improváveis e uma sensação difícil de traduzir: durante alguns dias, vivemos numa cidade paralela que respira arte e liberdade.
No coração do Danúbio, a Ilha Óbuda transforma-se num imenso palco, reunindo centenas de concertos, performances, instalações, circo e experiências sensoriais. É uma celebração sem fronteiras, do rock à eletrónica, do jazz ao hip hop, do folk ao pop, passando pela música clássica e tradicional, tudo em simultâneo, tudo em harmonia apesar da sua aparente desconexão e durante 24h por dia. Não existe um género dominante, ainda que, haja quem se fique pelo palco principal para ver os nomes grandes da Pop atual, mas sim um diálogo contínuo entre linguagens e culturas. No fundo, existe Ecletismo!
Apesar do Sziget ocupar cerca de 76 hectares, o equivalente a 760 mil metros quadrados, é muito relevante o cuidado com o detalhe, a planificação do espaço, os muitos apontamentos de arte e de integração com o ambiente (florestal) que transformam a “Island of freedom” verdadeiramente num local especial.
Para o Ecletismo Musical, o Sziget é a metáfora perfeita: diversidade sem receios, descoberta como instinto natural e uma curadoria que desafia a ideia de que é preciso escolher apenas um caminho. Ali, podemos ser muitos. Podemos ouvir, absorver, refletir e regressar diferentes.
Mais do que um festival, o Sziget é (ainda) uma utopia temporária. Talvez por isso, quando a ilha se despede, o que levamos não é apenas a memória dos concertos, mas a certeza reconfortante de que este pequeno mundo paralelo existe para nos lembrar que a arte (e a vida) é um espaço onde todos cabem.
Durante seis dias, ergue-se uma cidade efémera que contraria as vozes que, em tantas partes do mundo, pregam o isolamento e o medo do outro. No Sziget, línguas misturam-se naturalmente, roupas tornam-se declarações de liberdade e a música serve de pretexto para criar pontes onde outros preferem levantar muros.
Por isso, o papel de eventos culturais como este é vital: lembrar que, no essencial, as pessoas são iguais, ainda que, felizmente, todas diferentes.
Entre milhares de desconhecidos que rapidamente se tornam cúmplices, a programação é tão diversa quanto a multidão que a vive. Aqui, a liberdade é quase uma religião silenciosa.
No fundo, o Sziget é o reflexo do que acreditamos: a música não precisa de fronteiras, precisa de encontros.
Em 2025, 416 mil pessoas partilharam este espaço sem violência, sem tensão, sem hate, sem repressão. Apenas a energia de um convívio saudável e a alegria simples de viver. Ali, não importa a origem, a cultura, a orientação sexual ou religiosa. O que conta é estar presente, ouvir, dançar, olhar nos olhos e reconhecer no outro um reflexo de si próprio.
Claro que o Sziget de hoje não é o mesmo dos primórdios, quando, em 1993, dois jovens húngaros (numa Hungria a sair de um período de transição política e económica, após o fim do regime comunista) criaram a “ilha dos estudantes” com um espírito totalmente comunitário.
Atualmente, durante seis dias de “Island of Freedom”, a Ilha Óbuda é também uma super engrenagem comercial, onde grandes marcas apresentam bares e stands visualmente muito apelativos (alguns com DJs) e food trucks de várias partes do mundo coexistem com os palcos e experiências artísticas.
O Festival adaptou-se aos tempos e à forma como, para muitos, estes eventos são momentos de entretenimento e consumo. A grande diferença entre este Festival e outros, é que, apesar disso, o espírito que se vive, o espaço em que o Festival está localizado e a diversidade presente, permitem manter, ainda assim, parcialmente vivo o espírito inicial de partilha e comunidade.
O público é variado: desde quem passa os seis dias acampado (seja num campismo quase selvagem, a poucos metros dos palcos, ou em zonas de glamping mais tranquilas), provenientes de muitos países, com ingleses, franceses e italianos muito representados, até quem vai apenas para um dia (uma parte significativa dos muitos milhares de húngaros presentes).
Não há muitos festivais em que a diversidade e a simultaneidade de acontecimentos seja tão evidente como no Sziget. Cada palco, cada tenda, cada espaço de intervenção artística parece contar uma história própria, muitas vezes ignorada por quem olha apenas para os cartazes principais.
Ao longo dos anos, algumas críticas têm apontado que os cartazes do festival foram gradualmente perdendo parte dessa diversidade, privilegiando a pop e a música eletrónica, géneros mais virais e com maior potencial de atingir o público jovem e global. É uma leitura superficial, que ignora a complexidade de um evento que se pretende global e inclusivo.
O Sziget não é apenas um festival de concertos: é uma cidade efémera, uma experiência coletiva que exige flexibilidade e adaptação. Com milhares de participantes de mais de 100 nacionalidades, é natural que acompanhe os tempos. As super bandas clássicas deixaram de estar presentes nos circuitos de festivais, optando por concertos individuais ou tours próprias.
Ao mesmo tempo, as gerações mais jovens, que constituem a maior parte do público dos seis dias, consomem música de forma diferente, influenciadas pela pop, pela viralidade das redes sociais e por novos modos de interação cultural. Nesse sentido, a aposta em nomes mais “mainstream” ou eletrónicos não é uma perda de identidade, mas uma adaptação estratégica para manter relevância e fluxo de público.
No entanto, reduzir o Sziget a esta leitura é simplista. É redutor e, muitas vezes, preguiçoso analisar o festival (como fazem alguns órgãos de comunicação mainstream), focando-se exclusivamente no Main Stage. Entre concertos, há uma multiplicidade de acontecimentos: performances, instalações interativas, exposições, palestras e experiências sensoriais que ocupam todos os cantos da ilha. Cada intervenção artística, cada tenda ou espaço de criação é uma oportunidade de descoberta, e essas experiências paralelas são tão marcantes quanto os concertos principais. Ignorá-las é perder a essência do festival, que é simultaneamente caótico, organizado, e infinitamente diverso.
O Sziget é, por isso, um organismo vivo. Ele mistura tradição e inovação, experiências massivas com descobertas individuais. É um festival que, mesmo quando adapta os cartazes ao gosto e consumo atual, mantém a promessa de diversidade e de simultaneidade cultural que o tornou único. Cada visitante, mesmo que apenas caminhe entre palcos ou passe por uma instalação artística, é convidado a experienciar o imprevisível, a sentir-se parte de uma comunidade global que, por uns dias, desafia fronteiras, expectativas e rotinas.
O Ecletismo Musical fará igualmente um artigo com os principais destaques por dia.
No Comments Yet!
You can be first to comment this post!