Foram precisos quatro anos até que Lachado chegasse a este momento e escrevesse, com um misto de alívio e tremor, que finalmente lançava o seu primeiro álbum. Essa confissão não é um detalhe de promoção: é a chave de leitura de Barriga aos Gritos. Mais do que um alinhamento de canções, o disco apresenta-se como uma espécie de diário sonoro, treze momentos sobre a vida que foram guardados, reescritos, testados e, muitas vezes, registados à primeira intuição, tal como surgiram: crus, urgentes, honestos, como o próprio fez questão de sublinhar.
Lachado surge com “Barriga aos Gritos”, o seu álbum de estreia, como voz de quem escuta o corpo que fala quando a cabeça já não consegue. O alter ego musical de David Pinto, natural dos vales do Douro e moldado entre a ruralidade e a urgência da cidade, revela-nos um álbum carregado de imagens bucólicas, tradição e uma modernidade sempre presente nos detalhes.
Quando escreve “O setlist está finalmente aqui. Hoje partilho convosco o nome das canções que me acompanharam nos últimos tempos e que vão ser parte do meu álbum. Canções que nasceram de dúvidas, de desamores, canções que são histórias. O álbum chega em Novembro”, está a dizer, na prática, que este disco foi vivido antes de ser planeado. É o contrário de uma folha em branco: são canções que foram companhia antes de serem alinhamento.
Através dos singles que foi revelando ao longo de 2025 e já destacados aqui no Ecletismo Musical, já sabíamos que não vinha para encaixar em rótulos fáceis. “Irrequieto” apresentou-o como contador de histórias inquietas, com raiz bucólica e olhar para lá das escarpas da terra natal; “Barriga aos Gritos” trouxe a urgência de quem sente demais num mundo que anda depressa demais; “Todas as Meninas” mostrou a delicadeza nocturna de quem faz de um quadro no Cercal do Alentejo uma canção; “Ai Ai Ai” acrescentou um lado mais directo, quase refrão de desabafo, sem medo da vulnerabilidade.
No fim, o que fica deste álbum de estreia é a sensação de que a tal “barriga aos gritos” não é só dele. É nossa também. É o corpo a dizer que já chega de cumprir tudo o que nos pedem, de tentar ser todas as versões possíveis de nós mesmos ao mesmo tempo.