Ecletismo MusicalInterviews

[Entrevista] Mimicat

[Entrevista] Mimicat
Mimicat, nascida Marisa Mena, atravessou vários nomes artísticos e fases até encontrar uma voz que realmente lhe pertence. Hoje, com uma identidade consolidada, assume-se sem pudores: combina alma, teatro, sinceridade e música numa persona que pulsa autenticidade. Na sua história cabem sonhos, dores transformadas em canções, escolhas firmes e a coragem de continuar, mesmo quando o mundo parecia ignorá-la. Nesta conversa, fala de evolução, de vulnerabilidade, de amor-próprio, de luta e de arte como acto de verdade.

Ecletismo Musical: Mudaste de nome, de estilo e até de persona várias vezes. Achas que a tua evolução é a história de alguém que foi descobrindo quem era ou a de alguém que se foi escondendo do que já sabia?

Mimicat: Sinto que, na verdade, como Mimicat nunca mudei de nome. Canto desde muito pequenina e fui usando nomes que derivavam do meu nome real, Marisa Mena: na infância fui “Isa”, depois “Luísa Mena”, mas nunca me identifiquei com esse tipo de nome artístico. Quando criei a Mimicat e assumi essa persona, percebi que quem subia ao palco era sempre a mesma pessoa, o que mudou foi o estilo, visualmente e musicalmente.

Acho importante diversificar o que se faz. Há muitos artistas que mantêm as raízes e, ao mesmo tempo, reinventam-se, como a Rosalía representa hoje em dia. Foi isso que fui fazendo: descobrindo novos caminhos na música, explorando coisas que nem sabia que ia gostar, e que me abriram portas. Essa evolução pareceu-me sempre bastante natural.

EM: Disseste que durante anos te sentiste rejeitada e que pensaste em desistir. Quando a música parecia já não te querer, o que ficou a arder em ti: o (“Ai”) coração, o medo, a promessa ou a raiva de desistir?

Mimicat: Senti-me amargurada porque há uma gestão de expectativas que ninguém te ensina a fazer. E no primeiro disco tive a sorte de ter uma estrutura de sonho para qualquer artista. Tinha uma boa agência, tinha uma ótima editora tinha, na verdade, tudo o que é o teoricamente correto para dar certo.

Só que depois as coisas não são bem assim, porque há uma data de fatores externos a isso: a música, as letras, as melodias. Também depende da forma como te comunicas e da forma como as pessoas se identificam contigo.

Ainda por cima numa altura em que o mercado mudou radicalmente e a música que eu fazia em inglês deixou de conseguir chegar às pessoas. E ao contrário do que acontece hoje, na altura as rádios eram o principal veículo de divulgação.

Hoje em dia, as coisas são um bocadinho diferentes mas quando isso aconteceu, tu tens essa expectativa de: ok, isto vai correr bem, vai acontecer e depois as coisas não acontecem como estavas à espera e como toda a gente estava à espera, há um grande abalo de água fria e ninguém te prepara para isso.

Quando isso acontece, dói. Surge revolta. Surge amargura. Continuamos a trabalhar com uma dedicação brutal, é um esforço sobre-humano para fazer as coisas acontecerem e tens muita gente envolvida que empenha tanto esforço quanto tu.

Depois as coisas não acontecem e ficas a questionar se o problema és tu, e que, talvez nunca vá ter sucesso e queres desistir porque não te apetece estares-te a esforçar tanto para uma coisa que depois não resulta.

Isso gerou momentos de raiva. Mas a “Ai Coração” nasceu de um lugar bonito e positivo, não de raiva. Quando finalmente mudei de perspetiva — prestes a ser mãe do meu primeiro filho — escrevi a canção “Tudo ao Ar”. Concluí que esse tipo de sentimentos deixam-nos presos; não nos levam a lado nenhum.

Na verdade, é continuares a fazer música pelo motivo certo, que é: tu gostas de fazer música.

É algo que te transcende e não consegues desistir porque a música fala mais alto que tu: essa tua veia artística e criativa. E sou acima de tudo uma criativa. Então não consegues negar essa natureza por mais que faças outras coisas.

Eu aceitei isso e fiquei muito em paz e a “Ai coração” veio de um lugar muito bonito, muito de paz e muito de alegria, tanto que eu costumo dizer que o momento do festival da canção e, não estou a falar da vitória, mas sim de fazer os arranjos para a canção, de fazer os ensaios, de participar com os outros colegas, de ver a alegria que rondava aquele evento, foi um dos momentos mais bonitos da minha vida.

EM: A tua voz tem uma força teatral, quase de personagem. A teatralidade é para ti um disfarce ou uma lente? Sentes que só cantando consegues dizer certas verdades?

Mimicat: Recentemente tenho feito teatro, e de facto tenho uma persona muito musical, muito teatral. Sendo que acho que é uma coisa a meu favor e não contra, porque ajuda-me a contar as histórias de outra forma.

Com a voz também se contam histórias. E se a minha tem isso, acaba por me ajudar a contar coisas que eu de facto de outra forma não conseguiria.

No dia a dia não sou tão intensa a falar como sou no palco, onde também sou atriz. Ddiria que nós andamos ali taco a taco, nuns momentos sou eu e noutros é “a outra” como costumo dizer, mas acho que quem me quiser conhecer é ouvir a minha música e ver-me em palco. 

EM: Tens músicas que são quase confessionais, como “Peito”. Achas que a vulnerabilidade, para ti é um ponto de partida ou um lugar a que regressas quando o mundo se torna ruído?

Mimicat: A vulnerabilidade para mim é uma arma, no contrassenso que isso é. Acho que qualquer artista que seja honesto e sincero é obrigatoriamente vulnerável por natureza.

E essa vulnerabilidade é um superpoder porque todas as pessoas sentem essa vulnerabilidade e é isso que nos torna humanos. Um artista que não seja vulnerável é uma máquina, não é um humano.

Existe sempre vulnerabilidade, até quanto estás a cantar mensagens de força e quando são músicas mais fortes essa vulnerabilidade existe sempre lá no fundo. Claro que, depois nas canções mais intimistas, nota-se mais porque a voz fica mais despida, mais frágil mas, fragilidade para mim não é sinónimo de vulnerabilidade na música.

A vulnerabilidade para mim é mesmo honestidade.

EM: Cantas o amor quase como se fosse um espelho partido, mas raramente há vitimização nas tuas letras. Achas que a ironia é a tua forma mais íntima de ternura, ou é o escudo que se tornou pele? 

Mimicat: Olha, boa pergunta. Raramente me ponho num lugar de vítima, porque de facto não me não me revejo no papel de vítima. Tive o coração partido uma vez e nunca mais soube o que o que é essa sensação de abandono e de coração partido, felizmente.

Tenho uma relação muito estável e embora tenha os seus altos e baixos, como qualquer relação estável, o sofrimento é diferente e a ironia para mim, e esta coisa, de não não me tornar uma vítima, é porque de facto não permito que isso aconteça e acho que isso vem de um lugar de amor próprio que estou a tentar passar nas minhas mensagens.

Portanto, as minhas letras vêm deste lugar de amor próprio e de autovalorização, de noção de valor.

Gostava que muitas mulheres, mulheres e homens, mas que muita gente tivesse, porque acho que há pilares na cultura, até mais se calhar na portuguesa e em culturas latinas, há muito esta falta de valorização da mulher.

Mas não só a partir de fora. Acho que às vezes começa ali dentro. Agora não tanto, porque acho que isso está a mudar muito com as gerações mais recentes, mas ainda na minha geração, há muitas mulheres que não sabem o seu valor porque quase não são ensinadas.

Nós quando crescemos não somos muito ensinadas a saber o nosso valor e a dar-nos o valor necessário a nós próprias. Felizmente a minha mãe criou-me de uma forma diferente, embora ela também sofresse desse mal. Portanto nunca duvidei do valor que tenho enquanto pessoa e nem deixo que me façam sentir assim.

Se me fazem sentir assim e se percebo que deixei: eu viro a mesa, como costumo dizer. Eu digo, eu falo, o que pode ser problemático Mas acho que isso vem muito desse lugar de amor próprio. 

EM: Passaste anos entre trabalhos “normais” e o palco. Há quem diga que em Portugal se paga caro por ser autêntico. O que é que tu pagaste por sê-lo?

Mimicat: Os trabalhos normais foi, maioritariamente, o mesmo durante quase 15 anos, como consultora imobiliária que foi um trabalho que eu adorei fazer. Era um trabalho que me fazia muito feliz e que felizmente me pagava as contas e que além disso me deu a liberdade de poder criar a música que eu quisesse criar sem nenhum tipo de restrição ou de obrigação de fazer coisas que eu não queria fazer.

Eu nunca quis cantar em bares, nunca quis cantar em casamentos e em eventos, podia tê-lo feito e fiz durante alguns anos enquanto estava a estudar na faculdade, mas rapidamente percebi que não era aquilo que eu queria fazer e que aquilo não me fazia minimamente feliz, porque precisava de cantar as minhas coisas.

E acabei por escolher ter outro trabalho, para poder criar aquilo que eu quisesse criar com essa liberdade. Portanto o que me deu foi a liberdade, na verdade, não perdi nada, só ganhei mais liberdade criativa.

EM: Imagina que um Mecenas te dava capital ilimitado e liberdade total. O que farias na Música?

Mimicat: Ai, sei lá, Ia fazer projetos megalómanos, gostava muito de fazer de fazer concertos com orquestra. Gostava de ter bailarinos sempre nos concertos, portanto gostava de fazer produções musicais para os meus concertos.

E isso claro que envolve muito dinheiro e são custos muito grandes e em Portugal não há grande budget para fazer nada, muito menos produções desse género, mas sim, faria assim coisas megalómanas.

EM: A propósito, qual consideras ser o «estado d’arte» da música feita em Portugal?

Mimicat: Dadas as circunstâncias económicas de um país que não apoia minimamente a cultura, acho que Portugal é um mar de talento e nós temos artistas antigos e jovens a criarem sempre. Portanto nós somos um país de criativos, somos mesmo os desenrascados da Europa, fazemos muito com muito pouco, o que é triste, por um lado, porque devíamos ter mais apoio para criar, sendo nós um país com tanta gente a criar.

Mas, por outro lado, só mostra o quão talentosos nós somos. Mas gostava que, de facto, a arte fosse mais apoiada e que que houvesse espaço para não ter projetos só comerciais, e para que os projetos mais alternativos que não vão para uma esfera de público tão abrangente, ou projetos que tenham um público mais de nicho ou de palcos mais pequenos pudessem ter os apoios que merecem.

EM:  Que nomes colocavas no teu “Festival Ideal”? (Vivos ou não)

Mimicat: Acho que fazia uma miscelânea. Ray Charles, Ella Fitzgerald, Jamie Cullum, Olivia Dean, Raye, Carlos Paião. E não sei se colocaria os Queen porque ultimamente tenho ouvido mais um bocadinho de Queen. Mas colocaria assim uma miscelânea de gêneros de gente muito teatral e muito musicais, porque acho que é muito divertido.

EM: Se tivesses de identificar os 5 melhores álbuns de sempre (ou os que mais te influenciaram), qual era a tua escolha? E porquê?

Beautiful Human – Jill Scott

Foi um dos álbuns que mais me influenciou e quando descobri o Soul RnB na minha vida. Aprendi muito com esse disco e descobri que era um caminho que eu gostava de explorar. Estava habituada a ouvir coisas mais Old School de Soul anos 60/70 e depois descobri aquele caminho mais moderno que ainda não conhecia da mistura do hip-pop.

Best Of – Ella Fitzgerald

Tentava ouvir as canções e imitar as linhas módicas e os improvisos que ela fazia e acho que foi aí que comecei a perceber a linguagem do Jazz.

Moment – Jamie Cullum

Tinha ali muitas canções que me agarraram logo, sendo que uma delas ainda ouço muito hoje em dia que se chama “When I Get Famous”.

Black to Black – Amy Winehouse

21 – Adele

Acho que lhe roubei muita coisa. Portanto entre estas vozes todas que falei, o Back to Black e o 21, acho que compus a minha voz e que percebi que era por ali.

Previous article [Playlist] Ecletismo Semanal #30

Related posts

0 Comments

No Comments Yet!

You can be first to comment this post!

Leave a Comment

pt_PTPortuguês
We use cookies to personalise content and ads, to provide social media features and to analyse our traffic. We also share information about your use of our site with our social media, advertising and analytics partners. View more
Cookies settings
Accept
Decline
Privacy & Cookie policy
Privacy & Cookies policy
Cookie name Active

Who we are

Our website address is: https://www.ecletismomusical.pt.

What personal data we collect and why we collect it

Comments

When visitors leave comments on the site we collect the data shown in the comments form, and also the visitor’s IP address and browser user agent string to help spam detection. An anonymized string created from your email address (also called a hash) may be provided to the Gravatar service to see if you are using it. The Gravatar service privacy policy is available here: https://automattic.com/privacy/. After approval of your comment, your profile picture is visible to the public in the context of your comment.

Media

If you upload images to the website, you should avoid uploading images with embedded location data (EXIF GPS) included. Visitors to the website can download and extract any location data from images on the website.

Contact forms

Cookies

If you leave a comment on our site you may opt-in to saving your name, email address and website in cookies. These are for your convenience so that you do not have to fill in your details again when you leave another comment. These cookies will last for one year. If you have an account and you log in to this site, we will set a temporary cookie to determine if your browser accepts cookies. This cookie contains no personal data and is discarded when you close your browser. When you log in, we will also set up several cookies to save your login information and your screen display choices. Login cookies last for two days, and screen options cookies last for a year. If you select "Remember Me", your login will persist for two weeks. If you log out of your account, the login cookies will be removed. If you edit or publish an article, an additional cookie will be saved in your browser. This cookie includes no personal data and simply indicates the post ID of the article you just edited. It expires after 1 day.

Embedded content from other websites

Articles on this site may include embedded content (e.g. videos, images, articles, etc.). Embedded content from other websites behaves in the exact same way as if the visitor has visited the other website. These websites may collect data about you, use cookies, embed additional third-party tracking, and monitor your interaction with that embedded content, including tracing your interaction with the embedded content if you have an account and are logged in to that website.

Analytics

Who we share your data with

How long we retain your data

If you leave a comment, the comment and its metadata are retained indefinitely. This is so we can recognize and approve any follow-up comments automatically instead of holding them in a moderation queue. For users that register on our website (if any), we also store the personal information they provide in their user profile. All users can see, edit, or delete their personal information at any time (except they cannot change their username). Website administrators can also see and edit that information.

What rights you have over your data

If you have an account on this site, or have left comments, you can request to receive an exported file of the personal data we hold about you, including any data you have provided to us. You can also request that we erase any personal data we hold about you. This does not include any data we are obliged to keep for administrative, legal, or security purposes.

Where we send your data

Visitor comments may be checked through an automated spam detection service.

Save settings
Cookies settings