O concerto de Annahstasia (autora de um dos, indiscutíveis, melhores álbuns do ano) no Hoxton Hall, em Londres, começou antes de qualquer instrumento soar. Bastou-lhe aparecer e deixar a voz surgir, para que a sala inteira se recolhesse num silêncio que raramente se encontra em Londres.
A entrada «a cappella», para interpretar “We’ve Come a Long Way Together”, o tema de protesto de Bernice Johnson Reagon com a colaboração das irmãs Qazi & Qazi, que encantaram a sala com as suas vozes e harmonias impossíveis, foi o mote para o que se iria seguir.
O Hoxton Hall, teatro do século XIX, com a sua acústica quase artesanal, serviu de cúmplice para uma noite de profunda partilha. As madeiras antigas absorviam e devolviam o som com uma proximidade quase física, fazendo com que cada respiração tivesse peso. É uma sala que obriga o público a estar presente, e Annahstasia, tal como o tinham feito as Qazi & Qazi, aproveitaram essa atenção total desde o início.
A setlist que Annahstasia tinha preparado revelou um percurso emocional pensado com cuidado. O concerto abriu com “Be Kind”, e logo aí ficou claro o cuidado emocional do alinhamento. Enquanto “Take Care of Me” mostrou a profundidade que tem ao vivo: não força a voz, não dramatiza, mas transmite tudo com uma honestidade que dispensa efeitos. Em “SLOW”, a intensidade tornou-se mais contida, como se fosse um diálogo interno que estava a ser testemunhado por todos os presentes que, quase religiosamente, guardavam silêncio perante o encantamento que viviam.
Apresentou depois “Open Door”, ainda não editada, ao que se seguiram dois dos momentos mais altos da noite: “Satisfy me” e “Silk & Velvet” numa sala totalmente rendida ao encanto de Annahstasia , e com a certeza de que estava ali testemunhar um momento que, muito provavelmente será recordado daqui a uns anos, quando, as salas forem outras, de maior dimensão.
Em “Garden”, a leveza ganhou espaço, uma canção que, ao vivo, se estende mais do que em gravação, como se estivesse a descobrir-se ali mesmo.
Entre músicas, Annahstasia falou com uma franqueza pouco habitual. Falou do desgaste da estrada, da relação com a própria arte e com o dinheiro, da sensação de estar constantemente a atravessar expectativas: as suas e as dos outros. Não foi conversa decorada, nem discurso para impressionar. Foi desabafo. E talvez por isso tenha aproximado tanta gente dela naquela noite.
“Saturday” trouxe uma energia mais terrena, mais ligada ao quotidiano, antes de o concerto entrar no seu final com “Sunday” e “Believer” que funcionou como um ponto de chegada: uma canção que ao vivo parece maior do que no estúdio, carregada de convicção, mas também de fragilidade assumida.
O que marcou verdadeiramente esta noite não foi o volume, nem o virtuosismo instrumental, nem qualquer tipo de produção grandiosa. Foi a clareza. Uma artista que sabe o que quer transmitir e o faz sem ornamentação. Uma sala que amplifica não o som, mas a intenção. E um público que percebeu a importância de escutar.
No Hoxton Hall, Annahstasia mostrou uma forma rara de presença: uma força tranquila, capaz de transformar uma sala inteira sem levantar a voz. Não foi um concerto enorme: foi um concerto verdadeiro. E isso é sempre maior.
No próximo ano estará no Primavera Sound Porto e, mesmo num ambiente menos íntimo do que este, quem reconhecer o diamante que Annahstasia é terá certamente uma experiência para recordar.
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