Há artistas que não precisam de se reinventar para continuarem a ser novos, basta-lhes permanecer fiéis àquilo que sentem. Noiserv é um desses. Quinze anos depois da primeira conversa com o Musical Eclecticism, David Santos regressa para refletir sobre o tempo, a criação e a persistência de fazer música como quem constrói abrigo. Nesta entrevista, fala-nos da inocência que resiste, do novo álbum, da partilha que se aprende e da serenidade que o tempo ensina.
Ecletismo Musical(EM): Em 2010 dizias ao EM: “O processo criativo é como um ser humano, temos de alimentá-lo até morrer, porque só aí termina… Acho que a base de tudo é a satisfação que as coisas nos possam dar.” Quinze anos depois, que balanço fazes desse percurso? O que é que ainda te satisfaz da mesma forma e o que é que se transformou nesse processo de alimentar a criação?
Noiserv: Curiosamente, muita coisa muda quando envelhecemos mas a satisfação na composição e o prazer de alimentá-la até à exaustão mantém-se igual tantos anos depois. Julgo que estou ligeiramente mais ágil a chegar a certos resultados, mas tudo continua a demorar muito tempo, o tempo necessário.
EM: Entre o Noiserv que queria gravar o som do coração e o que agora conta os dias (7305 deles), o que é que o tempo te ensinou sobre o que vale a pena preservar: a inocência ou o controlo? Como chegaste a este novo álbum?
Noiserv: O melhor seria conseguir descobrir sempre uma inocência controlada, mas nem sempre é fácil. Continuo fascinado em descobrir novos sons, neste disco usei muitos talheres (eheheh). Uma música nova é sempre uma descoberta, não se sabe o ponto de chegada, e muito poucas vezes o ponto de partida… as coisas vão acontecendo, os arranjos vão-se sobrepondo até que nos apercebemos que a música está pronta. Um disco é um conjunto de muitos momentos desses.
EM: Nos teus primeiros trabalhos havia um certo romantismo na solidão, a “orquestra de um só homem”. Agora parece haver uma reconciliação com o estar acompanhado. Foi a vida que te levou aí, ou a música ensinou-te a partilhar o espaço?
Noiserv: A vida sempre me ensinou que é na partilha que estamos mais próximos da felicidade. Musicalmente, e passados vinte anos, tive uma vontade enorme de convidar amigos e pessoas que admiro a ajudarem-me nesta celebração.
EM: Em colaborações como com A Garota Não há um diálogo entre vozes que pensam o mundo de forma parecida, mas expressam-se de modos diferentes. Como foi encontrar o equilíbrio entre a tua forma mais introspectiva de comunicar e a palavra intensa da A Garota Não?
Noiserv: Esta música é um diálogo entre dois amigos sobre aquilo que os atormenta. Quisemos mesmo reforçar esta ideia de pergunta-resposta, e concluir que o mundo está a entrar num lugar muito complicado. E que a falta de empatia e o medo não podem ser o motor para uma sociedade evoluir.
EM: Em 2010 falava-se sobre a possibilidade de uma carreira internacional, tendo em conta o tipo de música que fazes. Hoje, olhando para trás, sentes que foi opção ou circunstância? O que te parece que tem faltado ou o que é que preferiste preservar ao ficares mais perto de casa (e começaste a cantar igualmente em português)?
Noiserv: Elevar a música a uma dimensão internacional é algo que tenho feito aos poucos, mas será sempre um desejo. Já existiram anos em que tive bastante presença no estrangeiro, mas é muito difícil, não existe uma rede montada nesse sentido, tirando o Fado, é muito complicado exportar música portuguesa. No entanto, a idade também me dá uma consciência plena dessa dificuldade, embora eu tente sempre que mais pessoas possam conhecer a minha música.
EM: Há um equilíbrio delicado entre tecnologia e emoção no teu trabalho. Como lidas hoje com o risco de a tecnologia, e da inteligência artificial em particular, se tornar demasiado visível na criação artística?
Noiserv: Na verdade não penso muito nisso. Sou fiel aos meus métodos de composição, e tento sempre acreditar que somos insubstituíveis ao nível da emoção, porque quando assim não for, a vida acabou.
EM: Há quinze anos dizias ao Musical Eclecticism que o teu festival ideal seria algo como “Radiohead | Sigur Rós | Explosions in the Sky | Múm | Björk | Grizzly Bear | Jeff Buckley | Arcade Fire | Elliot Smith | Sunset Rubdown | DeVotchKa | Beirut”. Que nomes acrescentarias hoje a essa lista?
Noiserv: Boa pergunta. Tenho ouvido muita música nova e muito boa, mas na verdade, o festival ideal ainda seria esse.
EM: Se tivesses de identificar os cinco melhores álbuns de sempre, ou pelo menos os que mais te influenciaram, quais seriam? E porquê?
Noiserv:
“OK Computer”, Radiohead
“The earth is not a cold dead place”, Explosions in the Sky

“…”, Sigur Rós
“Ten”, Pearl Jam
“Grace”, Jeff Buckley

As justificação são as mais óbvias, sem este discos eu não gostaria tanto de música.
EM: Que verso teu escolherias para deixar escrito numa parede de Lisboa, como síntese destes vinte anos de caminho?
Noiserv: “Nesta casa o que não quebra não sai do lugar”, da música “20 . 16. A casa das rodas quadradas”.
EM: Daqui a 15 anos, quando voltarmos a fazer uma Entrevista deste tipo, o que esperas já ter alcançado?
Noiserv: Se continuar a fazer música com o mesmo gosto, julgo que terei alçado mais do que alguma vez imaginei. E mais 3 discos pelo menos! 🙂
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