Com um percurso que desafia rótulos e uma estética que mistura tradição minhota com pop de vanguarda, Cláudia Pascoal tem construído um universo onde a cor, o humor e a crítica social convivem lado a lado.
Do “boom” televisivo à afirmação plena de uma identidade artística única, Cláudia faz da música um reflexo das suas origens e dos seus ideais.
Nesta conversa, fala-nos da liberdade conquistada, dos medos diários e da vontade de continuar a criar sem amarras.
Ecletismo Musical (EM): Podemos dizer que “!” foi a Cláudia «menina-mulher» mais próximo do que havia sido o percurso televisivo e do “boom” – O Jardim e “!!” é a Cláudia «mulher-empoderada» a afirmar a plenos pulmões a sua identidade?
Cláudia Pascoal: Acho que podemos dizer que todo meu percurso artístico foi uma construção de mim mesma e uma busca incessante do que eu queria fazer com esta ferramenta da música. Felizmente estou muito afirmada com o que tenho feito. Acho que conta muito de mim, das minhas origens e acima de tudo dos meus ideais sociais.
EM: Sempre quiseste fazer do teu trabalho, o “estilo Cláudia Pascoal” ou foi uma liberdade (mental) e criativa que foste interiorizando ao longo do teu percurso?
Cláudia Pascoal: Acho que foi algo que naturalmente fui-me sentido confortável em o fazer. Ter confiança para acreditar que de facto já faço parte deste grupo delicioso chamado “sector artístico” e sentir-me bem com este título foi fundamental para aos poucos me dar a conhecer verdadeiramente a partir do meu trabalho.
EM: É incontornável falar sobre a forma como usas a tradição minhota no teu som. As raízes são a base que te permite desconstruir os temas sérios de que falas, nomeadamente sobre o papel da mulher na sociedade (tradicional) patriarcal? Pode haver «modernidade» nas mentes de quem gosta de um bom “Vira”?
Cláudia Pascoal: Gosto de acreditar que sim! Gosto muito de celebrar a nossa cultura. É o que me faz voltar a casa. E vejo muitos dos meus colegas de trabalho a fazer exatamente o mesmo com outra derivantes. Recorrer à “casa” no seu trabalho para matar as saudades da família. Acho algo muito honesto e bonito de ver :).
EM: Quando crias, estás mais próxima de ti ou a fugir de ti [(“apago-me mais depressa do que escrevo”) em “Tanto Faz”]?
Cláudia Pascoal: Que bonita pergunta. Quando escrevo canções estou a dar um pouco de mim a uma canção.
Nada me transcreve melhor. Porém essa frase da canção ” tanto faz” vem de uma linha de pensamento que ainda hoje partilho: quanto mais faço e mais músicas escrevo, menos me aceitam. E aqui refiro-me à indústria da música. Penso que existe uma resistência na nossa sociedade ao diferente e um apreço gigante à normatividade do que é suposto de um determinado artista com um determinado género. Mas quero acreditar que um dia tudo irá mudar e a resiliência de tantas e tantos que continuam a fazer o diferente vai fazer de facto a diferença.
EM: A tua estética visual e sonora é inconfundível — é espelho, disfarce ou armadura? Até que ponto essa coerência é uma forma de liberdade criativa ou de “prisão subtil”?
Cláudia Pascoal: Todas as minhas canções começam por uma imagem. Seja do videoclipe ou do palco. A imagem para mim sempre foi o começo de tudo, por isso acho que a imagem é o mais verdadeiro e natural no meu projeto. Portanto nunca será uma prisão, mas talvez o mais vulnerável.
EM: Alguma vez tiveste medo de que a tua verdade artística fosse mal interpretada — ou pior, ignorada? Como lidas com essa possibilidade?
Cláudia Pascoal: Acho que é o maior medo de qualquer artista. A indiferença. Pelo menos para mim é. O mais difícil desta profissão é ter a atenção para a escuta do seu trabalho. Tenho medo todos os dias. Não conheço nenhuma profissão tão instável e vulnerável como esta, mas por enquanto não a planeio trocar.
EM: A propósito, qual consideras ser o «estado d’arte» da música feita em Portugal?
Cláudia Pascoal: Cada vez existem mais artistas inacreditáveis ao vir ao de cima! Isso é fantástico, tenho aprendido imenso com muitos deles. Mas sinto que muitos desses artistas não têm espaço para se darem a conhecer de tão viciada está a nossa indústria a uma “trend” de músicos e músicas. Tenho esperança que isso vá mudar. Acho que o público está sedento de novidade e do não canónico. Falta a indústria dar uma oportunidade a isso.
EM: Que nomes colocavas no teu “Festival Ideal”? (Vivos ou não)
Cláudia Pascoal: 95% portugueses. Ouço maioritariamente música portuguesa. Sou apaixonadíssima por nós. Tantos nomes: Iolanda, Inês apenas, David Fonseca, cassete pirata, Emmy curl, libra, Joana espadinha, margarida Campelo…. A lista “goes on and on!”
EM: Se tivesses de identificar os 5 melhores álbuns de sempre (ou os que mais te influenciaram), qual era a tua escolha? E porquê?
Cláudia Pascoal:
David Fonseca – Dreams in colours
Vi a apresentação deste disco no coliseu do Porto com o meu irmão. Foi o que nos uniu musicalmente. Era consensual para ambos que este era o maior artista de Portugal. Ao ver aquele concerto cheio de aleatoriaedades, visualmente estimulante…. Saí dali a querer fazer o mesmo!
Slimmy – Beatsoundloverboy
Esta banda foi uma das responsáveis para querer fazer isto da vida e acreditar que seria possível. Eram meus vizinhos na altura. Uma banda de garagem que conseguiu chegar ao soundtrack do csi Miami. Na altura, a sonoridade deste álbum era incomparável. Ninguém estava a fazer isto. Eles eram a busca incessante do estranho. Sou apaixonadíssima até hoje por eles.
Tiago Bettencourt – Acústico
As minhas primeiras angústias de amor vieram com o lançamento deste álbum. Chorei muito com ele. Mas também percebi o que era isto de fazer canções. Não era necessário muito. Apenas bom escrever. Essa era a chave.
Joana Espadinha – O material tem sempre razão
Estava a escrever o meu primeiro álbum, quando a Joana lançou esta obra! O bom escrever está -lhe no sangue! Escreve sobre temas incomuns, mas que nos cabem a todos! A leveza da voz dela não encaixa com o peso da sua escrita. Sou apaixonadíssima por isso.
Stromae – Multitude
Está a ser a minha grande influência para a escrita deste novo álbum ou EP que aí vem. A busca do estranho também é algo que o Stromae aplica consecutivamente. Não se acanha a cantar mais uma canção. Não. Cria um objeto artístico em cada faixa. E toma o seu tempo a fazê-lo! Ele está a fazer isto direito .
EM: Quais são os teus planos para os próximos meses? Por onde irás andar? O que irás lançar?
Cláudia Pascoal: Lançar canções que se poderão traduzir em alguma coisa, mas sem grande peso nisso. Estou só entusiasmada para produzir e encontrar mensagens que não sejam indiferentes. A força do meu trabalho tem de ser crescente, pelo menos aos meus olhos e isso consequentemente passa para os temas que abordam as minha canções. Quero que sejam sujas ao falar do comum.
Agradecimentos:
Cláudia Pascoal
Photo by: @ritasxs
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